

A primeira vez que falámos foi, claro, na cave do Pinguim, já não me lembro qual foi o ano. Situação curiosa, em que eu e outros estávamos no palco (um palco?! no Pinguim?!) e o Joaquim mandou umas bocarras, uns vilipêndios. Foram duas noites loucas, chamou-se "O Porto na Rosa do Mundo". O Joaquim também fazia parte do programa, aliás era uma grande parte do programa. Mas, o que é que se há-de fazer, o Joaquim é assim, toca a disparar metáforas para o palco, olha a hora que já estás a demorar. Respondi-lhe do palco (?) com uma metáfora sobre os jogos de futebol à tarde, em que a equipa que joga contra o sol muda de campo depois do intervalo ou já jogou do lado bom, 'não tarda nada estás aqui outra vez' era o que eu queria dizer e ele compreendeu. E que bons amigos nos fizemos.
Fizemos os 'Apalavrados'. Apresentámo-nos no Maus Hábitos. Éramos muitos. Fez um poema para mim, por mim; não deu trégua enquanto não o li ao microfone. Foi terrível.
(Joaquim, desculpa. Não consigo encontrar esse poema)
Demos umas boas voltas com os Apalavrados. Lembro-me de ter saído do palco furioso, em Ermesinde, tocada a última nota na guitarra. Levantei-me e saí enquanto, provavelmente, ele apontava para o lado e dizia "à minha esquerda, o André Gue...". Profissionalismo. O Joaquim gostou muito dessa noite. O Jonesy estava lá e não me deixa mentir, e terá sido dos poucos a aperceberem-se de que toda a trupe estava perdidamente bêbada. O Jonesy, se bem me lembro, não gostou. A minha mãe e o meu irmão gostaram muito, principalmente do Joaquim.
Os jantares em casa da Graça e do Joaquim. Uma hora antes de pousarem a travessa na mesa, íamos dar uma volta pelas mesmas ruas que eram só dele antes do nascer do sol, que a insónia não perdoava. Levantava-se e andava às 4.30, 5h. E outra vez depois de o sol nascer; a Jorginha via-o quase todos os dias quando o caminho para a escola passava por ali.
Ligou-me uma manhã- eu: que bela manhã, que calor, bom dia Joaquim - o meu filho morreu. O teu filho, Joaquim, que filho. Tinha um filho. Cheia de noite negra, negra, a casa da Graça e do Joaquim por esses tempos.
Depois fizemos a escolha dos poemas para o "Só Cá Vim Ver O Sol".
Depois, durante algum 'depois', estivemos longe. Depois, há uns dois meses, entrou no Zé Bota (eu sabia que havia de lá entrar). Daniel Maia-Pinto Rodrigues, João Habitualmente, Isaque Ferreira, Joaquim Castro Caldas. Emprestei o meu telemóvel ao Maia-Pinto para falar com o Rui Lage (olá, meu), pegou no aparelho como quem segura uma bomba por desactivar, e o Joaquim fartou-se de rir.
Saímos do restaurante por portas diferentes sem nos termos despedido. Assim, amigo Joaquim, fico a lembrar aquele teu riso. Tu sempre adoraste telemóveis, gajos tímidos e generosos e outras matérias explosivas.
Há uns meses, o Pinguim lembrou-se de ti e fez-te homenagem. Fez bem, muito bem. Aquilo és tu e espero que a cave seja baptizada 'Sala Joaquim Castro Caldas'.
Agora és bem capaz de já ser um anjo resmungão a dar cascudos em pinguins desajeitados que usurpam o palco que é completamente teu.

andré guerra,
durtal, com saudade do Joaquim.